O MEU GALO
O Conto que se segue é dedicado à CASADORAU, em especial à Ná e seu Esposo, Maria José Areal, Ana Martins e a todos os meus amigos.
O Conto que se segue é dedicado à CASADORAU, em especial à Ná e seu Esposo, Maria José Areal, Ana Martins e a todos os meus amigos.
Os únicos animais que se criavam em minha casa eram as galinhas. Nunca contei mais que quatro. Quando estas acabavam, decorriam grandes períodos de tempo para que outras ocupassem o galinheiro. A razão era muito simples: Quem tinha galinhas, tinha que lhe dar de comer, mas para dar de comer às galinhas era preciso ter comida própria. Para se ter comida para as galinhas era necessário a existência de terras de cultivo.
Como terras de cultivo para criação de animais em minha casa não existiam, não era possível apostar nas galinhas!... Nas galinhas, nos coelhos, nos porcos, nas vacas, nada, mesmo nada. Nós sabemos que as galinhas comem tudo o que encontram, mas isso não chega. É necessário dar-lhes de comer periodicamente.
Por vezes, quando a minha mãe trabalhava aqui ou ali, sempre trazia qualquer coisa para elas mas, a maior parte das vezes, as nossas galinhas não tinham direito a Jantar. Comiam o que encontravam no chão e ‘viva-o-velho’.
Assim, passavam mais tempo no cruzeiro do que na nossa quinteira. Nunca soube que raio de galinhas a minha mãe arranjava que não punham ovos. Por isso, no nosso galinheiro não havia ninho destinado à postura. O nosso galinheiro estava quase sempre vazio. Certo dia a minha mãe trouxe um galo muito jovem mas..., já era galo com crista e tudo.Era um galo lindo com uma crista tão encarnadinha que, mais parecia que tinha sido pintada.
Nos primeiros dias arranjaram-se uns talos de couve-galega (único produto cultivado na nossa ”quinta”) que, depois de muito migadinhos, ele engolia aquilo com grande sofreguidão sem saber o que era (penso eu). O galo era muito bonito e eu gostava muito dele, mas o gajo não me dava confiança. Quando tentava pôr-lhe as mãos em cima, lá vinha a picadela do galo.Mesmo assim, eu gostava muito dele.
Quando ia à Tiana, sempre trazia uma espiga de milho para o meu galo. Quando ia à Fonte nunca voltava de mãos vazias. Era um galo com sorte. Quando ele via uma galinha, era vê-lo a arrastar a asa para na oportunidade abusar dela. Ele mostrava aquele peito como se fosse o maior.
O tempo foi passando, o galo foi crescendo e começou a ensaiar os primeiros acordes da sua cantilena. Como dormia sozinho, logo às cinco da manhã lá estava ele, mais parecendo uma “cana rachada”, a tentar ser ouvido pelos galos de outros galinheiros. A pouco e pouco, o galo foi afinando a voz e, acordava toda a gente.
Certo dia já de madrugada, ouvi minha mãe levantar-se da cama e, dirigindo-se ao galinheiro, pegou no galo e atirou com ele para dentro do velho cabano. Não lhe ficou de emenda porque, a partir daquele dia, o Galo até parecia que tinha relógio. À hora certa lá estava ele a acordar os outros. Depois era ver quem cantava mais alto. A festa começava cedo. Quando o galo se passeava pelo Cruzeiro, todo a gente o gabava. Ele até parecia que entendia os elogios, por isso, engalanava-se todo. Quando via as galinhas da Tia Covas lá na quinteira, dava uma corrida e era tudo a eito. Algumas, quando o viam a correr escondiam-se dele mas, depois de cumprida a obrigação com as que não se esconderam, lá ia saber delas.
Certo dia, já farto de esperar pelas meninas da Tia Covas que ainda não tinham recebido ordem de soltura, entrou na quinteira da Tiana Maceiras e, sem respeito nenhum pelos galos daquela capoeira, toca a exibir-se com grande provocação arrastando a asa a todas as galinhas. Depois de abusar de duas ou três, apareceram os galos da Tiana que lhe fizeram a vida negra. Enquanto as galinhas apoiavam os galos da Tiana cacarejando tanto que punham o meu galo surdo, eles abriam as asas e bicos dando grandes saltos uns contra os outros aproveitando o voo para aplicar a sua bicada na cabeça do adversário. Como o meu galo era mais forte, não se rendeu. Ele mantinha a luta renhida mas controlada. Um dos lingrinhas da Tiana já tinha levado uma boa bicada na ‘tola’ de tal maneira que já se via o sangue envolvendo as penas do pescoço.
Intrigada com todo aquele reboliço, a Tiana Maceiras veio à quinteira ver o que se estava a passava.
Depois, vendo que o meu galo era o maior, pegou num pau e correu com ele. Corrido à paulada mas vitorioso, quando chegou ao Largo do Cruzeiro passeou-se como que de um vencedor se tratasse, e lá foi para casa. Como foi um dia de muito trabalho, foi compensado com um punhado de milho que eu tinha trazido do caniço da Tia Viúva. De papo cheio, voltou ao Cruzeiro. Então não se estava já a fazer às galinhas do Tio Joaquim Ferrador?... Valeu a Tia Helena que, ao ver as suas intenções correu com ele e fechou-lhe o portão. Tendo sido posto no olho da rua sem cerimónias o galo estava desolado. Quando o vi perto do portão do Tio Ferrador, já ele estava a ver a maneira de saltar o portão. Assim, dei uma corrida e fui buscá-lo mas, ele não se deixou agarrar. Num ápice entrou pela nossa quinteira dentro e meteu-se no galinheiro.
Certo dia fui a Vila Meã e, ao passar pelo meio de umas latadas lá para os lados do Pereiro, vi que junto a um valado amarinhava a rama de uma aboboreira, (Abóbora porqueira). Como estava habituado a ver as aboboreiras a rastejarem no meio dos milhos achei estranho, por isso, aproximei-me para verificar melhor como era aquilo que, em vez de rastejar, subia pelos arbustos e silvas do valado. Ali descobri que ao longo do valado, estavam penduradas uma série de pequenas aboboreiras com duas barrigas, eram todas defeituosas. Uma barriga maior, depois afunilava para dar origem a outra barriga mais pequena. Intrigado com a cena, peguei numa e torci, torci, torci até desprender-se do pé onde tinha nascido. De seguida, meti a aboboreira debaixo da camisa e, ala em corrida até ao caminho do campo redondo. Dali até casa foi um saltinho.
O objectivo era fazer como a minha mãe: cortar a aboboreira em bocadinhos muito pequeninos e dar ao galo que se regalava todo. Engolia aquilo, bebia água, e lá ia ele de papo cheio com aquela crista muito encarnada e bem alta. Empertigava-se todo mostrando aquela peitaça de pluma multicolor e rabo altamente ornamentado a exibir-se perante todas as “meninas” que, em liberdade, tinham direito a passearem-se no Largo do Cruzeiro de Chamosinhos. Ele cresceu muito e, sabendo isso, fazia frente a qualquer outro galo que o desafiasse.
Passeava-se no Cruzeiro como um rei e toda a gente o admirava. Era bonito, grande e atrevido. Não se preocupava nada em se mandar a uma galinha mesmo com a dona ali por perto. Mas a aboboreira que eu trouxe de Vila Meã não se me ajeitava nada para a cortar tal como a minha mãe fazia. Assim, e como o meu amigo Necas estava em casa, levei a aboboreira comigo para lhe pedir ajuda: A intenção era ver se ele tinha uma faca grande para a cortar aos bocadinhos. Fomos para o lugar e, depois da eira entrámos no cabano onde estava o carro de bois. A aboboreira foi posta em cima do carro.
Andava o Necas de gatas lá num canto do cabano à procura não sei de quê quando apareceu o Tio Manuel do Alves, pai do Necas, vindo do lado do lugar com uma enxada às costas. Chegado ali, arrumou a enxada e, vendo a minha aboboreira em cima do carro, pegou nela e disse:
“Olha uma cabaça!... Quem foi que deu a cabaça?...”. Perguntou ele ao Necas.
O Necas não foi de meias medidas e logo despachou para mim:
“Foi o Pedruxo que a trouxe!...”.
“Ah!... Então agora a tua mãe semeia cabaças?...”.
Fiquei tão atrapalhado que já nem sabia o que lhe havia de dizer:
Por fim lá veio a justificação: “Não Tio Manuel, foi o Adélio de Vila Meã que me deu para o meu galo!...”.
“Oh rapaz, isto nem um boi a come quanto mais um galo!...”.
Dito isto e sem mais explicações, pegou numa pequena corda que atou à cabaça, subiu para o carro de bois e toca a pendurar lá bem no alto a minha cabaça. Quando desceu do carro eu ainda esperava que ele me desse qualquer coisa para o meu galo, mas não. Virou as costas e lá foi ele para dentro de casa.
Irritado com a cena, virei-me para o Necas e disse-lhe: “Já viste?..., Agora não tenho nada para dar ao galo!...”.
Como os verdadeiros amigos são para as ocasiões, o Necas disse-me baixinho:
“Deixa ele sair que eu levo-te a casa uma saca de milho para o galo”.
Fiquei tempos sem fim sentado nos degraus do Senhor do Cruzeiro à espera de ver o Tio Manuel do Alves sair de casa. O meu galo, que estava habituado aos miminhos que eu lhe dava, andava por ali a rondar-me como que a perguntar: “Então!... Hoje não há nada?... Olha que eu estou cheio de fome!...”. Como eu compreendia bem o meu galo.
Estava eu muito distraído a olhar lá para os lados da casa do Tio António do Real, quando o Tio Manuel do Alves passa com uma foucinha cravada no ombro em direcção ao regueiro. No minuto seguinte, chegou o meu amigo Necas com uma saca de milho escondida debaixo da camisa que devia ter meio alqueire. Era a comida para o meu galo. Fiquei muito satisfeito e o meu galo, por certo que ficou muito agradecido. Nesse dia teve direito a dois punhados de milho depois, e com a saca bem escondida da minha mãe, aquele milho foi racionado. Quando a minha mãe trazia alguma coisa para o galo, eu não lhe dava nada. Era preciso ter alguma reserva para uma eventual crise.
Além disso, de vez em quando o menino abastecia-se na quinteira dos outros. Bastava a distracção dos cancelos abertos e, lá estava ele a mandar-se às galinhas e já agora, a encher o papo. O Maio chegou e com ele um calor terrível. Os lavradores andavam muito preocupados com a seca das suas culturas. Cada dia que passava o Sol parecia que queimava mais. O meu galo andava de bico aberto. Não tinha vontade de comer e nem lhe apetecia sair da quinteira. Bebia, bebia água até mais não. O calor continuava a aumentar. Um dia, fazendo como que das tripas coração, foi dar uma voltinha ao Cruzeiro e não voltou. O meu galo não resistiu ao calor e...,
O Rei de Chamosinhos sucumbiu.
Chorar por um galo pode parecer ridículo mas... Quando se chora por um amigo que faz parte do nosso coração... Não parece mal... Pois não?...