quinta-feira, 26 de maio de 2011

OLHANDO O MEUS PAÍS

O OVO

Na minha infância e até aos treze anos de idade, eu relacionava-me com os trabalhos de agricultura. No Lugar de Chamosinhos, à excepção de meia dúzia de homens que trabalhavam nas fábricas de serração, toda a gente trabalhava no campo. Como a minha mãe não tinha campos próprios para trabalhar, era convidada para trabalhar nos campos dos outros.Certo dia a Tia Ranhada chamou a minha mãe e outros, para a execução de várias tarefas: A minha mãe foi incumbida de cavar a vinha no lugar e depois, fazer o almoço para todos. Como sempre, quando a minha mãe trabalhava em casa da Tia Ranhada, eu era o convidado especial, por isso, todo o tempo que ela estava na Tia Ranhada eu andava por ali. Às vezes, sentava-me na eira a brincar com os pintainhos: Atirava-lhes alguns grãos de milho que ia buscar ao caniço. Depois, e enquanto eles picavam no chão todos desembaraçados a engolirem o milho, eu tentava apanhar um ou outro que estava mais distraído mas..., logo a mãe galinha se impunha e, sem medo, mandava-se a mim, mais parecendo um galo assanhado pondo-me em ‘sentido’.


Outras vezes, entrava no caniço e punha-me a espreitar pelas velhas ripas de madeira a chamar pelas galinhas, imitando a Tia Ranhada: “venham cá minhas meninas!... Venham cá!...”. Depois, era ver elas a aparecerem, vindas de todos os lados em grandes correrias em direcção ao local habitual que era a porta da cozinha. Mas, como não viam a Tia Ranhada e a porta estava fechada, ficavam por ali desorientadas correndo noutras direcções à procura do chamamento. Galinhas em casa da Tia Ranhada não faltavam.

Por isso, e na falta de outros entretenimentos, era com elas que eu me divertia. Ela tinha tanto amor às galinhas que raramente comia alguma. Eu nunca soube o que ela fazia a tantas galinhas. Certa vez estava eu sentado mesmo no meio da eira e, lá vem ela do lado do lugar com o avental cheio de qualquer coisa que não era milho. Assim que chegou à porta da cozinha e lá vem a cantilena: ‘Venham cá minhas meninas!... Venham cá...’.Num ápice ficou rodeada de galinhas por todos os lados.

Quando verificou que já lá deviam estar todas, despejou o produto que tinha trazido por cima delas e, o grande rebuliço começou. Umas a passarem por cima das outras empurrando-se mutuamente cacarejando todas ao mesmo tempo, era ver quem comia mais depressa. No entanto e no meio delas, fazendo como que um pequeno círculo, estavam dois ou três galos que disputavam o alimento com as galinhas.

Ai daquela que se chegasse ao pé deles levava logo a bicada respectiva na cabeça.Enquanto as galinhas comiam, a Tia Ranhada mantinha-se ali de pé no meio delas toda sorridente a ver toda aquela azáfama e burburinho. De repente, e com o aproximar de uma determinada galinha com penas diferentes das outras, ela baixou-se e apanhou-a pelas asas. Logo pensei cá para os meus botões: “Hoje, o almoço vai ser galinha!... Que bom!...”. Mas não, o almoço não foi galinha.

Qual o meu espanto, vejo a Tia Ranhada a passar a galinha para a mão esquerda e muito descontraidamente, fez deslizar a mão direita pelo lombo da galinha até ao rabo. Ali, e sem escrúpulos nenhuns, enfiou o dedo médio pelo rabo dentro da galinha, depois de o tirar, subiu a galinha até ao ângulo visual e, tal como se estivesse a falar para alguém que a entendesse, disse-lhe: “Bá... Já está na hora de ires pôr o ovo!... Mas não o comas... ouviste?...”. Dito isto, ala a galinha para o meio do chão.

Claro que a galinha não ligou nenhuma ao que ela lhe disse e, tal como as outras, continuou a picar no chão até este ficar completamente limpinho. Como a galinha era diferente das outras e eu até ouvi a recomendação, fiquei atento à sua postura. Passado pouco tempo vejo a galinha a correr em direcção ao galinheiro onde a esperava um ninho com um ovo todo ‘cagado’, que estava lá há mais de quinze dias e que, segundo ouvia dizer, servia de chamariz para a postura dos ovos naquele local. Sem dar nas vistas da galinha, lá fui espreitar para ver o que ela ia fazer depois de pôr o ovo. Uns minutos depois a galinha levantou-se, saiu do galinheiro e, como que a mostrar a sua alegria por ter posto um ovo, lá foi ela toda contente a cacarejar pela quinteira fora.

Logo que a Tia Ranhada ouviu o cacarejar da galinha, não perdeu tempo e foi ao galinheiro buscar o ‘ditoso’ ovo. Quando saiu do galinheiro ela trazia o ovo na mão mas, de repente lembrou-se de qualquer coisa, meteu o ovo no bolso de uma camisola velha que trazia vestida e, em vez de ir arrumar o ovo a casa, dirigiu-se ao caniço. Como os pintainhos andavam dispersos no meio da eira, ela pegou numa vergasta e pôs-se ali a tentar juntá-los não sei para quê. Só que os pintos não lhe obedeciam e quando ela se deslocava para um lado todos fugiam para o outro. Mas a Tia Ranhada queria que eles lhe obedecessem e por isso, usava todos os estratagemas para tal mas... Os pintos não lhe tinham respeito nenhum e por isso, quanto mais ela tentava juntá-los mais eles se dispersavam. Andava ela naquela azáfama e, sem saber como, o raio do ovo que tinha no bolso da camisola saltou e estatelou-se no meio da eira, mostrando aos pintainhos o quanto de amarelinho era a sua gema.

Os pintos ao verem tal petisco estiveram-se nas tintas para a Tia Ranhada. Rapidamente se uniram e fizeram daquele momento o grande festim do ovo acabadinho de pôr. O mais incrível foi os lamentos da Tia Ranhada. Não era pelo ovo partido mas sim, pelo hábito que aquele momento poderia incutir naqueles pequerruchos que se deliciavam com um ovo pela primeira vez. Ao ver a cena em que os pintos se atropelavam uns aos outros para dar a sua picadela no sítio onde o ovo se partiu, a Tia Ranhada pôs as mãos nos queixos e disse:

Deixem-se estar meus meninos que amanhã já não comem mais nenhum, podem crer.

Será que os pintos enjoaram os ovos?...