terça-feira, 25 de outubro de 2011

QUANDO SE AMA - ACONTECE POESIA

   OS SOFREDORES DO “AMOR”


A pior coisa que nos pode acontecer é gostarmos de
quem não gosta de nós. Os chamados sofredores não
passam de meros masoquistas. São muito insistentes,
convencidos e nunca desistem. Para mim, sofredores
são os que amam e não são correspondidos. Eles
arriscam tudo: Mesmo vendo os dentes delas bem

‘arreganhados’ (qual gata assanhada), eles
continuam a insistir na tentativa de as conquistar de
qualquer maneira. Às tantas, já não são só elas no
chega para lá: São as mamãs, os maninhos e até as
amiguinhas do lado. Todos correm com eles: à paulada,
à pedrada ou apenas com palavreado provocador

e insultuoso. Mas os masoquistas não entendem muito
 bem estas atitudes. (Se ele gosta dela é para a
conquistar, por isso e por mais atrocidades que lhe
façam, não desiste).Por isso, e na hora, lá estão eles
na frente da batalha. Até que um dia aparece alguém
que, de mangas arregaçadas, e com um pau nas mãos,

se dispõem a pôr termo de vez à perseguição da menina:
É o pai dela. Nestas coisas do amor, nem sempre
são assim tão difíceis mas... também não tão fáceis!!!
Por vezes, e quase sem sabermos como, encontrámos
o nosso ideal ao virar da esquina. Uma troca de
olhares, um sorriso meio amarelo pelo meio e,

lá vai ela...Depois, pasmados..., de imediato fazemos
uma leitura positiva: “A ‘gaja’ gosta de mim!!..”. 
A seguir, logo traçamos um esquema de aproximação.
Normalmente, a primeira vez não corre bem.
Andamos ali a ‘gravitar’ sem jeito nenhum, à volta
de uma ‘estrela’ sem norte e de repente..., acontece

a primeira ‘bronca: Nós ‘tropeçamos’ nela e...,
a menina vai fazer queixa à mamã. Na segunda
aproximação, em vez da menina, aparece a mãezinha
que, olhando para nós de alto a baixo, ali mesmo nos
tira as ‘medidas’. Depois, e muito caladinha, lá vai
ela para casa dar conselhos ao seu “bebé”:

Se ele já era conhecido e é um bom partido, os
conselhos, embora positivos são acautelados:  “Toma
cuidada com ele. Não o deixes abusar. Evita os
beijinhos quentes e especiais porque  são muito
perigosos!... “Ela sabia o que dizia”.

Se ele não era conhecido e, ainda por cima, não
se apresentava vestido de fato, gravata e colete, aí...
os conselhos já eram diferentes: Já viste bem!...,
agora andas a dar confiança aquele maltrapilho
que não tem onde cair morto?... Ficas proibida de
ires à janela!... ouviste?... Partindo de um princípio

que a ‘análise’ da mamã foi positiva..., à menina
era dada a liberdade de ir namorar para a janela
do quarto dela. E dali, ela podia exprimir livremente
tudo o que lhe ia na Alma!!!. Mas..., só à janela,
porque de resto, a coisa já mudava de figura.
Depois das primeiras aproximações do nosso amor,

chegava o pedido sussurrante bem juntinho ao ouvido:
“Sabes querido, os meus pais querem falar contigo!...”.
Era o nosso primeiro incómodo perante ela.
(Até parecia que nos tinha dado um murro no estômago).
“Falar comigo para quê?... Perguntava ele muito
admirado. Depois das explicações e vergado ao seu

amor, chegava a hora da ‘tortura’: Primeiro a mamã.
De uma maneira geral, e só para este efeito, nós
éramos convidados a entrar pela primeira vez em
casa da nossa amada. Era ela que nos abria a porta e...
 era ela que nos conduzia à sala onde nos esperava
o sofá, ou mesmo uma simples cadeira. Momentos

depois, abria-se uma das várias portas viradas para a
sala e... lá vinha a mãezinha sentar-se ao nosso lado.
Nesse mesmo instante, o nosso amor saltava dali
para fora como um foguete. Abandonados, ficávamos
assim como ‘parvos’ a olhar para aquela que, ora de
semblante carregado, ora de ‘tachas’ arreganhadas,

se preparava para nos torturar ali mesmo.
Ela queria saber tudo sobre nós: Quem eram os
nossos papás, onde moravam, o que faziam, quantos
irmãos tínhamos, se tínhamos casa própria, se
tínhamos carrinho, e mais coisas relacionadas com
a nossa vida familiar. Por fim, lá vinha a pergunta difícil:


“O que é que você faz e quais os seus objectivos?...
Com as respostas relativamente fáceis do: (Sim, não,
talvez, bem, sabe, é que!...), ainda vá que não vá!...,
mas...Essa coisa dos objectivos... dava para engasgar.
O primeiro objectivo para nós, era apenas namorar,
o resto, logo se via. Mas, como não conseguíamos

encontrar rapidamente argumentos suficientes para a
mamã nos largar da mão, logo aparecia a tosse, os
suores, os tiques e a falta de jeito na colocação das
mãos: Ora seguramos os queixos, ora coçávamos a
cabeça, ora entrelaçávamos as mãos uma na outra
mostrando os polegares a rolar um por cima do outro

enfim, era uma autêntica falta de postura.
Depois da resposta que, de uma maneira geral era
bastante atabalhoada, lá conseguíamos convencer a
mamã. Que grande alívio era ver aquela (futura sogra)
a abandonar o sofá. Conquistada a simpatia da mamã,
era a vez de enfrentar o papá. Na época os papás

gostavam de falar a sós com os amores das suas meninas,
por isso, nada de sofás. Normalmente o encontro
era marcado para a esquina da rua onde moravam
ou mesmo perto da taberna onde ele costumava parar.
À hora combinada, lá estávamos nós a olhar para todos
os lados sem ver nada. O tempo de espera dava para

pensar nos argumentos que tínhamos para lhe
apresentar e isso, atenuava um pouco a nossa
tremedeira. Sempre atentos à sua chegada, a dado
momento lá via-mos o papá a sair de casa. À medida
que se aproximava de nós, sentia-mos o nosso
coração a bater mais intensamente: Era a dúvida,

era a incerteza, era o receio da corrida a pontapé,
era a recusa, eram as perguntas incómodas e difíceis
que, por certo, ele iria fazer. Depois, era a nossa
incapacidade da resposta imediata. Tudo estava
em causa. Tudo mexia com o nosso imaginário.
A partir daquele momento tudo poderia acontecer:

A primeira hipótese era ele dar-nos uma grande corrida,
A segunda era dar-nos uma seca da ‘meia noite’.
No entanto, e de uma maneira geral, o homem
apresentava-se muito sério, de semblante carregado,
sisudo e sobretudo, cheio de pressa. Assim, e depois
das “Salvas” e do cumprimento, vinha a recomendação:
(Quero muito respeitinho com a minha menina,

ouviste?...Nada de abusos!...). No minuto seguinte
já ele ia pelo passeio abaixo a assobiar!...(Afinal,
tanta preocupação e tanta tremedeira para nada!...).
Depois de conquistar a amizade da mamã e de ser
tolerado pelo papá, todo o tempo disponível era
dedicado ao nosso amor. No entanto, amor dentro

de casa continuava fora de questão. “Se quiseres
namorar com ele, vais para a janela!! Dizia a mamã.
E pronto!..., era caso arrumado e não se falava mais
no assunto. O problema era que as nossas ‘miúdas’
quase sempre moravam nas alturas: Primeiros,
segundos e por vezes até nos terceiros andares.

Com a porta de casa fechada às nossas intenções,
restava-nos o passeio. Depois do sinal previamente
combinado, aparecia ela toda ‘gira’ à janela a mandar
beijinhos. Também dizia coisas que normalmente
não nos eram perceptíveis. Ela falava de amor,... mas,
baixinho para a mamã não ouvir e, nós ali no meio do

passeio cheios de vergonha, a olhar  para cima na
tentava de correspondermos directamente às
mensagens labiais ou gestuais que elas nos
transmitiam umas atrás das outras. Por isso e nessa
situação, procurávamos a melhor posição no passeio
para as perceber melhor mas, encostados às paredes

só lhe víamos os queixos, no meio do passeio,  
éramos empurrados pelas pessoas que ali passavam,
no lancil da divisória do passeio dava muito nas vistas.
No entanto, ainda havia outros inconvenientes:
A vizinha de cima ou de baixo, sacudia os panos
de pó para cima  de nós. A vizinha do lado,

punha-se à janela descaradamente a ouvir as nossas
conversas. As pessoas que passavam disparavam
bocas foleiras. O cão da vizinha do rés-do-chão não
se calava. E mais uma catrefa de casos que
perturbavam o início daquele que poderia vir a ser
um grande amor.

Era uma situação muito ingrata que chegou a
meados do Século XX.


Outubro 2011
A. Sanches