quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

OLHANDO O MEU PAÍS

SAGULFES

Sagulfes é uma zona de planície que está protegida por duas montanhas, uma a Este e outra a Oeste. É bastante larga, tem início lá para os lados de São Julião e estende-se até perto da E.N.13. Pelo meio serpenteia a Ribeira das Ínsuas que e vai desaguar ao Rio Minho. Nas montanhas predominam os Pinheiros, o tojo e o carrasco mas, nas encostas destas, quem manda são as Urzes. Na planície cultiva-se o milho.

O Moinho da Quebrada foi construído bem junto ao sopé da montanha Oeste situado numa linha de água que era desviada a montante da Ribeira das Ínsuas. Aquele moinho trabalhava 24 horas por dia. O acesso ao moinho e às terras era feito por um caminho que descia a encosta com grande inclinação e era atopetado de pequenas pedras soltas.

Existia duas maneiras de descer a encosta: Uma, pelo caminho cheio de pequenas pedras que descia na horizontal acabando bem distante do moinho. Outra, por um carreiro também de pedras, cheio de tojo e carrascos que descia na vertical. Por ali, valia a existência dos carrascos que ajudava quem ali passava porque, doutra maneira, o voo era garantido.

Um pontilhão feito com troncos de pinheiro atravessava o rego de água do moinho, e assim se chegava mais depressa ao Moinho da Quebrada. Este moinho que transformava os grãos de milho em farinha, estava muito distante da povoação, era apenas utilizado pelos habitantes de Chamosinhos que, para lá chegarem tinham de fazer o seguinte percurso: Quem partia do Cruzeiro de Chamosinhos tomava o caminho do monte em direcção à Chão. Aí apanhava a E.N.13 via Valença, e saía para a estrada da Silva. Já bem perto do final da Quinta do Arraial, um caminho à esquerda levava-nos até ao sítio onde, pouco a pouco, acabou por ser a primeira lixeira a céu aberto na Freguesia.

Ultrapassando essa zona, e continuando pelo caminho de terra e pedras por entre pinheiros e tojos à medida que nos aproximávamos da descida, transformava-se em caminho de pedras soltas que só acabava no fundo da ravina. Este era o percurso mais rápido que existia no meu tempo. Naquele sítio, o montado Oeste foi cortado pela força das águas das chuvas que todos os anos assolavam aquela região originando um pequeno vale que tornou aquela zona paradisíaca.

Carvalhos, ciprestes, austrálias e tantas outras árvores e arbustos faziam com que o rego de água que serpenteava pela descida formasse várias cascatas que eram o gozo da canalha quando se deslocavam para ali a acompanhar os mais crescidos na lavoura. Aves das mais diversificadas espécies povoavam aquela zona. Mas, eram os Melros e os Gaios que mais barulhos faziam quando nos viam por perto. Adorava ouvir ao longe o Cuco a anunciar a chegada da Primavera. Adorava ver o Pica-Pau agarrado às árvores a ensaiar o seu buraco. Adorava ver os Gaios de goelas abertas a fazerem voos rasantes junto da canalha, como que a perguntar: “O que é que vocês estão aqui a fazer?... Ala daqui para fora”. Simulavam o ataque directo com a intenção de nos desviar dos seus ninhos. Adorava ver os Melros de bico amarelo e muitas outras aves, no meio das terras lavradas a meterem o bico nos pequenos buraquinhos para se alimentarem das minhocas e outras larvas ali existentes. Adorava ver os Milhafres, os Corvos, as Pegas, as Rolas e tantas outras espécies que por ali habitavam em paz.
 
Para a canalha Sagulfes durante o dia era um local de alegria, diversão e beleza. À noite tornava-se uma zona de medo... muito medo. Lobos, Lobisomens, Bruxas, animais que no escuro da noite choravam como crianças e não sei que mais, preenchiam o imaginário dos mais velhos que não perdiam a oportunidade de contar nos serões histórias do arco-da-velha fazendo-me pôr os cabelos de pé.

No entanto, haviam mulheres de Chamosinhos que, de enxada às costas e sem qualquer medo ou receio se deslocavam ao Moinho da Quebrada às duas ou três horas da manhã, para verificar se a sua moagem estava a correr bem. (É que por vezes, o rego que levava a água ao moinho galgava as protecções e, sem água, o moinho parava).  Sagulfes fazia e ainda faz parte dos meus sonhos. Mas aos poucos, o Homem se encarrega de destruir tudo o que a natureza nos oferece gratuitamente. E assim, este pequeno paraíso sucumbiu a favor do progresso.

Ali nasceu um grande pilar onde se apoia uma Auto-estrada. 

1 comentário:

  1. Querido amigo Sanches!

    Não preciso dizer-lhe quão agradável é a leitura dos seus contos!!!
    Eu consegui estar lá consigo e ver todos as aves, até ouvi o canto do cuco :)
    Não conheci esse lugar nesse tempo e conheço-o mal no presente.
    Ainda há pouco anos, aqui no Rau, em Campos, onde vivo há 19 anos, ouvia um cuco e via aves de grande porte, águias, e outras espécies já em extinção.
    Nessa altura também eu tinha duas colmeias de abelhas, mas tudo morreu...
    Morreu porque todos os anos queimavam mais um pedaço da mata, que segundo um vizinho, abrigava raposas (e era verdade, eu vi-as muitas vezes) que lhe comiam as galinhas.
    O Sr. Carlos Vacas, assim é conhecido aqui, tanto andou e fez que consegui que toda a mata fosse destruída.
    Veja lá o crime anti-natura que aqui se fez.
    Não só mataram as árvores, os animais que ali abundavam, como fizeram com que as abelhas morressem e nós perdemos todos um pequeno pulmão que aqui tínhamos.

    Ai amigo, sei bem do que fala, porque mesmo sendo da cidade sempre passava as férias grandes em Reborêda, nos Santo Amaro, família paterna.

    Sei também que os pegões da ponte e a mesma são um fantasma para aquela gente, que ao olhar para o céu ou mesmo só para o lado, vêem agora verdadeiros monstros de betão armado.
    Isto para não falar no aterro.
    Um dia chegará lá o meu amigo, Fale com a Ana, ela não está bem de saúde.

    Beijinho

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