quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

OLHANDO O MEU PAÍS

A POÇA NOVA 

Quando eu deixei de ter medo do escuro e dos sítios onde poderia aparecer a “Velha Sarronca”, certo dia aventurei-me a ir para lá da casa do Tio Ferrador a caminho do monte. Caminho velho e cheio de pequenas pedras soltas, atravessado pelas raízes dos grandes pinheiros, levou-me até à ‘poça nova’. “A poça nova ficou assim conhecida por ter sido feita nos anos quarenta”. A Comissão dos Habitantes de Chamosinhos de então escolheram o sítio adequado, fizeram um grande buraco e colocaram lajes de pasta (granito da região) em toda a volta para segurar as terras, tendo em conta a saída de água controlada, naturalmente. 

Chegado lá, fiquei ali a ver a água a entrar na poça através de um cano em grés vinda de Fonte-Boa. Ela batia lá bem no fundo da poça vazia, fazendo aquele tradicional barulho de cascata. Então, sentei-me na borda da poça e fiquei ali à espera de a ver encher. Por mais água que caísse lá em baixo, até parecia que desaparecia sem eu conseguir ver por onde. Cheguei à conclusão que era muito difícil ver a água subir na poça. Por vezes acontecia que, quando lá chegava a poça estava cheia..., cheiinha a deitar por fora. Ali eu via nela um grande lago de água do qual tinha muito medo. Por isso a minha presença era bem de longe. Era enorme aquela poça. Aliás, naquele tempo para mim, tudo era grande.  

Eu andava encantado com a poça nova. Assim, sempre que a minha mãe ia trabalhar para fora e eu tinha de ficar em casa, quando me lembrava, lá ia ver a poça. A água a cair daquela maneira e a bater lá bem no fundo da poça fascinava-me. Certa vez quando lá cheguei, a poça estava a meio do seu enchimento. Assim, já não podia sentar-me na borda da poça e pôr os pés pendurados para o lado de dentro, por isso, fiquei por perto a vê-la encher.

Ao fim de muito tempo de espera, ouvi o motor de um automóvel que passava na E.N.13 a caminho do Fulão. Eu já estava habituado a ver o automóvel do Tio Serafim do Real que, todos os dias saía com ele logo de manhãzinha não sei para onde. Regressava à noite e era guardado no cabano que estava virado para o Senhor do Cruzeiro.  

Da minha casa ouvia o Tio Serafim e o irmão Camílio a darem à manivela, que estava colocada na parte da frente do carro, para o motor começar a trabalhar. Nos Invernos mais gelados daquele tempo, ficavam ali a dar à manivela tempos sem fim. Quando finalmente o carro acordava, lá iam à vida deles. (Era o Táxi do Serafim do Real que fazia serviço em Valença). Em Chamosinhos haviam dois Táxis: Um do Tio Serafim do Real e que eu via todos os dias, e outro do Tio Camílio do Melão que eu nunca o via. Mas carros a passarem na estrada em grande velocidade nunca tinha visto, assim, e como a poça não mostrava sinais de enchimento, fui até à estrada que se situava um pouco mais a Sul. Que cheirinho e tão lisinha que era a estrada. Automóveis... nunca mais chegavam. Sentei-me mesmo no meio e verifiquei que a estrada era um pouco oval. Mais tarde soube que era por causa das grandes chuvadas. Fartei-me de esperar para ver passar um carro.

Como não vinha nenhum decidi dar meia volta e voltar para perto da poça. Quando já estava quase a chegar, ouvi lá para os lados do Fulão os ruídos de um automóvel em movimento. Meia volta, uma corrida e, lá fiquei à espera de ver o automóvel passar. Ele chegou ao pé de mim num ápice, desaparecendo da mesma maneira. O mais incrível foi que eu não consegui ver o motorista. Então fiquei com a ideia de que aquele carro não levava ninguém. Quando voltei, já não parei na poça nova. Segui até ao Cruzeiro e andei por ali. À noite, estava eu com uma malga de sopa de canuxos à minha frente e a minha mãe à espera que eu a engolisse, quando ouvi chegar ao Cruzeiro o carro do Tio Serafim do Real. De repente, levantei-me do banco e toca a correr para o velho cancelo da quinteira. Eu queria ver bem de perto, se o automóvel trazia condutor ou se, tal como o que vi na estrada, andava sozinho.

Eu vi... E vi que o carro era conduzido pelo Tio Serafim do Real. O que eu não vi foi a minha mãe que já estava atrás de mim com a vergasta na mão. Surpreendido, ainda fiz uma tentativa para me esquivar mas não resultou. Ela agarrou-me pelo braço e toca a malhar até lhe apetecer. Depois, seguiram-se os canuxos que, sem saber como, até me souberam bem. (Vá lá a gente saber porquê...).
 
Naquela época em que a poça nova tinha tanta utilidade para os terrenos de cultivo, andava no ar um ‘Boato’ que muito alegrava os habitantes de Chamosinhos:

- A água de Fonte-Boa, vai chegar ao Largo do Cruzeiro -  Diziam que seria feito um fontanário e que a água chegava e sobrava para abastecer toda a população. Acabava-se assim, o martírio das mulheres irem todos os dias, de cântaros à cabeça, buscar água á fonte.

A água de Fonte-Boa era de grande qualidade e quantidade. A água de Fonte-Boa nascia nos montados bem perto das leiras do baldio de Chamosinhos e corria a céu aberto por meio de tojos a carrascos podendo-se beber em qualquer circunstância. O ‘Boato’ chegou a criar formas de realidade. Mas... o tempo foi passando e o ‘malogrado boato’ foi-se esfumando. Tal como as nuvens que aparecem e andam lá nas alturas qual imaginário cheio de esperança e vai desaparecendo sem ninguém dar por isso. Os interesses estavam instalados e por isso, o medo, o egoísmo ou mesmo a inveja superaram o interesse geral a favor daqueles que tinham meia dúzia de terras para regar. Pensavam eles que a água que era destinada ao fontanário lhes ia fazer muita falta para os seus cultivos.   

Hoje, a maior parte daqueles terrenos estão abandonados e o Lugar de Chamosinhos está a beber água do garrafão.

3 comentários:

  1. Amigo Sanches!

    É sempre um enorme prazer lê-lo!
    Julgo saber qual é a poça a que se refere, mas não tenho a certeza absoluta.
    Será que é a mesma que agora está por trás das casas onde se vendem os barros???
    Em frente ao edifício onde esteve a Clipóvoa???

    Talvez seja, e se for realmente ela é imensa e a água é cristalina e gelada, mesmo no pico do Verão.
    Dantes, há 10 anos, por aí, cheguei a levar lá o meu filho onde se juntava com mais uns amigos e dela faziam piscina :)

    Pois é assim amigo, por inveja ou ganância, perdeu-se a água para Chamosinhos e agora ninguém quer trabalhar os campos.
    Vamos ver até quando...
    Com os tempos difíceis que se adivinham, até em vasos acabaremos por fazer agricultura.
    Oxalá eu me engane!

    Beijinho

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  2. Caro Sanches

    Estou aqui a visitar o seu blog vindo da casa da amiga Ná e aqu estou a conhecer as poças de seu País.
    Nesses tempos não podíamos matar a nossa curiosidade que lá nos depáravamos com a mãe que vales muito bem dizer depois de uma sova tudo nos apetece bem.

    Vejo que a amiga Ná tem tambpem suas histórias para contar.

    Beijos e uma boa semana

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  3. Minha querida Ná (se me permite assimtrata-la).

    A poça nova que eu faço referência, situa-se no caminho que parte da E.N.13, logo após o cruzamento de Vila Meã a meio da grande recta do lado esquerdo. Ali existe uma placa que diz CHAMOSINHOS.
    Quem entrar nesse cruzamento,encontra logo à esquerda um conjunto de mesas em granito que deveriam servir apenas para pique-niques e descanso de quem viaja na E.N.13. (Sobre este assunto estou a escrever um texto que em breve seré publicado no meu blog:OLHANDO O MEU PAÍS.
    A poça nova encontra-se do mesmo lado, uns metros mais acima, sem qualquer referência visual.
    Mas ela está lá tal e qual como foi feita há mais de 70 anos.
    A poça de Vila Meã, tal como existe hoje, não existia no meu tempo de menino que descobria tudo e, tudo o que para mim era fascinante.
    Aquela poça, por certo que, não foi feita por meia dúzia de lavradores que, a armados de pás e picaretas escolheram aquele sítio e ali, fizeram um buraco que, depois de cheio de água, se destinava apenas ao regadio das suas terras de cultivo.
    A poça que vemos hoje em Vila Meã, embora também tivesse a função das regas dos campos da redondesa, foi feita com requintes de bom gosto.
    Ainda hoje é admirada por quem ama a Natureza.
    Um Beijão do tamanho do Mundo.

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