quinta-feira, 24 de março de 2011

OLHANDO O MEU PAÍS

OS GIRINOS

Quanto eu me entretinha nas poças do Feal!...
Nas poças onde nascia a água, apareciam os minúsculos peixinhos que, a cada dia que passava, até me parecia que cresciam o dobro. Eram os bogardos nas maternidades. Mais afastado da zona do nascimento das águas, existiam outras poças que, dado ao local onde se encontravam, estavam sempre cheias de água. Essas poças eram de pequena profundidade e nelas apareciam de vez em quando uns peixinhos muito esquisitos. Eram pretos e espalmados, mais parecendo uma palmatória. Tinham um pequeno rabo que chegava muito bem para se afastarem de algum intruso. Viviam no fundo da poça e andavam sempre de um lado para o outro. Para os apanhar eu utilizava o esquema que utilizava para apanhar os peixinhos. Punha a mão aberta no fundo da poça e, era ver os pequerruchos a passarem sem medo por cima dela.

Assim, era só fechar a mão e, lá vinham três ou quatro bebés a fazerem tudo para se esquivarem por entre os meus dedos. Sem água na mão, os meninos ficavam muito quietinhos, mexendo apenas o minúsculo rabo. Essa atitude causava-me cá uns arrepios que não perdia tempo e logo os mandava de volta para a sua maternidade. Na época certa, as minhas brincadeiras com os girinos eram constantes. Certa vez encontrou uma poça onde os meninos já tinham crescido bastante. Tinham a cabeça grande e olhos bem definidos. Duas patitas pequenas e um rabo ‘exagerado’ e espalmado. Os meus amigos diziam que eram os “cabeçudos”. Não sei muito bem porquê mas, nesta poça, os girinos não apanharam lá a minha mão. No entanto, tinha uma vontade enorme de levar dois ou três para casa.

Com uma ajudinha do Necas, eu consegui meter no bolso dos meus calções, três girinos. Como os calções eram bastante largos, eu sentia a revolta dos prisioneiros bem junto “daquilo” que sempre tive muito espeito. Nesse dia, para não incomodar os meninos que viajavam no meu bolso, decidi não correr até casa como era costume. Embora fosse devagarinho para não os incomodar, os meninos não paravam. Ainda não tinha chegado à casa do Tio Zé do Agostinho, já ia naquela de: Ou se acomodam, ou saltam daí para fora não tarda nada. De repente, tive a sensação de que um deles me mordeu. Assim, rapidamente me refugiei num terreno ali existente, sentei-me no chão e toca a tirar os calções para pôr fora dos meus bolsos aqueles malditos.   

Com tantas voltas e apertos, quando consegui virar o bolso e sacudir os meninos para o chão, estes já não se mexiam. No dia seguinte lá fui novamente ver aquela ‘canalha’. Nesse dia levava numa saca de pano a minha tigela das migas. Quando cheguei, ao tirar a tigela da saca, fugiu-me das mãos e, partiu-se toda. Sem saber como ia resolver o problema, peguei nos cacos da tigela, coloquei-os na saca, e voltei para casa sem os girinos, e com a tigela partida. Quando lá cheguei dou de caras com a minha mãe que, ao ver-me com a saca nas mãos, logo vieram as perguntas. “Onde fostes!... O que é que trazes aí?... Para que foi a saca?... Tanta pergunta e eu sem ter nenhuma resposta para lhe dar. Fiquei ali pasmado à entrada de casa a olhar para ela. Nem entrava nem fugia.

“Então!..., estás parvo?... O que é que trazes aí?...”. Como tinha de responder disse-lhe: -É a minha tigela das migas!...Ao ouvir tal afirmação, deu uma grande gargalhada. Depois virou as costas, pegou no cântaro e foi buscar água à fonte. Para quem esperava uma tareia, fiquei radiante. A minha mãe estava muito bem disposta. Quando ela voltou e viu os cacos da tigela ficou fula. “Amanhã não vai haver migas! Se as quiseres comer, vais ao monte e trazes de lá uma cunca do breu. (As cuncas do breu eram tigelas de barro encarnado afuniladas que, na época da extracção da resina, eram colocadas nos pinheiros exactamente no sítio onde era golpeado, e serviam de reservatório do breu que ia saindo a conta-gotas da árvore).

“Comer numa cunca!..., nunca?...”. Pensava eu. No entanto tive uma ideia. “Oh mãe, eu posso comer as migas na tua tigela, não posso?...”. Não, não. Nem penses. Se queres comer as migas vais às cuncas, doutra maneira não há migas. E ainda por cima, para o dia seguinte havia açúcar para as migas. Então lembrei-me que o meu amigo Necas, tinha lá na cozinha dele muitas tigelas. Por isso, sai muito sorrateiramente e fui até casa dele. Quando ia bater à porta esta abriu-se e vejo sair o Pai dele que, ao ver-me ali, perguntou: “Queres alguma coisa?...”.-Não Tio Manuel. Não quero nada!...“Então, se não queres nada o que vens aqui fazer?...”. Só vinha ver se o Necas estava em casa!...

“Está, está. Entra que ele está no cabano!...”.Quando lá cheguei, estava ele a arranjar a empalhada para as vacas. Depois de lhe ter contado o que me aconteceu, pedi-lhe para ele me emprestar uma tigela, dado que não tinha nenhuma para comer as migas no dia seguinte. O Necas lá foi todo lampeiro a casa, entrou na cozinha e, toca a pendurar-se numa prateleira para chegar ao sítio onde se encontravam as ditas tigelas. Embora o Necas não fosse muito pesado, a prateleira onde se agarrou veio por ali abaixo com ela, todas as tigelas ali depositadas. O barulho foi tal que, o Tio Manuel que estava no largo do Cruzeiro ouviu. Intrigado, logo foi a casa ver o que se tinha passado. O Necas, quando ouviu a porta da cozinha a abrir-se, fugiu para o cabano.

Assim que o Tio Manuel entrou na cozinha e ao ver aquela loiça toda partida no meio do chão, começou a falar alto: “Mas quem foi que fez isto?...”. Mais umas interrogações sem resposta e, por fim, alguns minutos depois, chamou pelo Necas para o ir ajudar a limpar aquilo tudo. Foi assim que eu aproveitei uma tigela que, embora tivesse uma pequena lasca, me serviu para comer as minhas migas no dia seguinte. Depois das migas comidas e antes do regresso da minha mãe, lá fui novamente ao Feal buscar meia dúzia de girinos para brincar com eles em minha casa. Quando cheguei, coloquei a tigela no chão da sala e, com medo que algum deles me mordesse os dedos, fui buscar um pauzinho. Depois, e com a tigela no meio das minhas pernas, fiz passar as “Passas do Algarve” àqueles figurões que, a todo o momento tentavam fugir dali.

Quando a minha mãe chegou e me viu no meio do chão a falar para os girinos, começou a ralhar comigo. Depois das ameaças passou à acção. Tirou-me a tigela das mãos, dirigiu-se à quinteira e toca a pôr os girinos a voar com água e tudo. Só que a tigela estava molhada e, quando ela fez o balanço para fazer sair a água com os girinos, não aguentou a tigela e esta foi atrás dos girinos aterrando contra um muro que servia de divisória da minha quinteira desfazendo-se na totalidade. Como depois não encontrei os girinos em lado nenhum, pensei que eles devem ter voado mais alto em direcção ao Feal.

Malditas tigelas

8 comentários:

  1. Eu também brinquei em criança com os girinos. Quer em Melgaço, quer na Trofa. Infelizmente não tenho histórias como esta, um verdadeiro filme.
    Os jovens de hoje nem sabem o que isso é. Não aparece na TV.
    Continue a deliciar-nos com as suas aventuras.
    Abraço do
    JF

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  2. Amigo Sanches!

    Sei bem do que fala e dos girinos com os quais passávamos horas, estonteados a vê-los movimentarem-se à velocidade "da luz" ou a ficarem estáticos, como mortos...
    Oh! Belos tempos. Tanta coisa em comum.

    Beijo

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  3. História maravilhosa. Conheço bem os girinos. Na Primavera ia com a minha mãe ao paúl ceifar erva para as vaquitas.
    Aquele terreno nesse tempo andava submerso em água e havia muitos peixinhos pequeninos e também girinos. Aquela qualidade de erva crescia mais na água. Para o Norte chamam lameiros.
    As taças das migas.
    Maravilha de tempo, a nossa, em que os dias nasciam sem tempo e as horas se mediam com um naco de pão seco no fundo do bolso.

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  4. Amigo Sanches!

    Esta sua amiga veio saber de si e agradecer o seu simpático comentário.
    Muito grata lhe fico eu, não só pelo prazer que me dá ao permitir-me divulgar alguém que prestigia a escrita, mas também valoriza a memória de um povo, num tempo não tão distante, mas que dado o avanço tecnológico parece ser muito distante.

    Obrigada
    Beijinho

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  5. Interessantes as suas histórias que eu acompanho com imenso prazer. Obrigada por nos trazer imagens
    não muito distantes de um tempo que sempre ouvi falar mas que não acompanhei, por viver nessa altura, no outro lado do mundo!
    Bjs.
    Graça

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  6. Amigo Sanches,

    Preocupada consigo e com a Srª sua mãe, a Dona Otília, venho cá mal abro o computador!
    Amigo, espero que ela recupere o mais rapidamente possível e seja feliz na sua companhia por mais alguns anos.
    Mulheres da fibra dela, há poucas! Fortes na luta contra a adversidade. Esta é só mais uma, ela vai superar.

    Beijinho e obrigada, por apesar de tudo, ter arranjado coragem para me ir comentar.
    O espectáculo do Zeca Afonso em Valença foi fenomenal.
    Adorei.

    Vá-me dando notícias, por favor.

    Abraço do José e outro grande e terno meu. Beijos à sua esposa.

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  7. Amigo Sanches!

    Voltei porque tinha uma recado para si, não sei se chegou a lê-lo lá na casa do rau. Aqui o deixo:
    "
    Ná, lamento o sucedido à mãe do António e, se me permite o pedido, por favor, faça chegar-lhe os meus votos sinceros de rápido e total restabelecimento! Poderei fazê-lo, também no “Rapaz da Província” mas, nestas ocasiões, é provável que não tenha oportunidade de ler em tempo útil. Obrigado!
    Beijinho
    Quicas . António do Carmo- do Blog -http://joaquimdocarmo.wordpress.com/

    Mais 1 beijinho

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  8. Amigo Sanches!

    Tive notícias suas há dias que muito agradeço, mas há evolução?
    Telefonar-lhe-ei amanhã ou depois.

    Beijinhos

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